Medicina do Trabalho: Riscos Psicossociais e Impacto na Saúde dos Indivíduos
Num contexto social em mudança, as alterações laborais são inevitáveis e manifestam-se a vários níveis, seja na organização do trabalho, nas tecnologias, nos processos, nas práticas ou nos comportamentos. Estas alterações não podem deixar de se reflectir na segurança: por um lado por uma tendência significativa de regressão dos riscos mais tradicionais, mas por outro através do surgimento de novos riscos ou novas e diferentes manifestações dos já reconhecidos. Estão no segundo caso, por exemplo, alguns riscos químicos, resultantes de novas formulações e produtos de desenvolvimento recente cujos efeitos de médio ou longo prazo são ainda desconhecidos, ao passo que no primeiro caso podemos referir os riscos psicossociais, ou os consequentes das biotecnologias.
Em qualquer dos casos, estes riscos novos e emergentes assumem dimensões cada vez mais preocupantes, colocando novos desafios e exigindo novas abordagens para a sua prevenção. Nessa linha, a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) publicou os resultados do Inquérito Europeu às Empresas sobre Riscos Novos e Emergentes (ESENER)1 – que avalia a forma como as empresas gerem estes riscos para a segurança e saúde, e que tem especial enfoque nos riscos psicossociais.
O inquérito abrangeu estabelecimentos dos sectores privado e público com dez ou mais funcionários nos 27 Estados-Membros da UE, bem como na Croácia, Turquia, Noruega e Suíça e nele, acidentes, lesões músculo-esqueléticas e o stresse relacionado com o trabalho surgem como as principais preocupações em matéria de Segurança e Saúde no trabalho nas empresas europeias, mas a violência, e em especial a intimidação e o assédio, são também referidos como uma das maiores preocupações num número relativamente elevado de empresas.
De facto, ao analisarmos este inquérito, constatamos um elevado nível de preocupação geral das empresas em relação aos riscos psicossociais, mas constatamos igualmente que essa preocupação nem sempre tem correspondência na sua identificação real e menos ainda nas abordagens preventivas consequentes.
Em particular no que respeita ao nosso país, os dados dão-nos uma imagem representativa dessa aparente contradição: Nos resultados do inquérito, Portugal está sempre nos primeiros lugares no que respeita à manifestação de preocupações em relação aos riscos psicossociais, mas ao mesmo tempo surge nos últimos lugares dos países que desenvolvem medidas sobre a sua minimização e controlo. Por exemplo, Portugal está no primeiro lugar dos países que manifestam preocupação com o stress laboral, com mais de 70% dos inquiridos a considerarem-no uma “preocupação importante”, porém, em contrapartida, está entre os últimos países em que as empresas têm procedimentos para lidar com o stress laboral, com menos de 13% dos estabelecimentos inquiridos a referirem a sua existência, ficando à frente apenas da Hungria, Grécia e República Checa.
O mesmo se passa em relação aos restantes riscos psicossociais: Portugal volta a ser o país que mais preocupação manifesta sobre a violência ou ameaça de violência no trabalho, e o segundo nas preocupações com o assédio ou intimidação laboral (ultrapassado apenas pela Turquia); porém, está nos últimos lugares no que respeita à existência de procedimentos para lidar com situações deste tipo, com menos de 8% dos inquiridos a referirem a sua existência no que respeita ao assédio.
Em contrapartida, e de novo de forma aparentemente contraditória, Portugal aparece bem colocado entre os países que implementam medidas de minimização e controlo, situando-se aproximadamente na média no que respeita à implementação de acções de alteração da organização do trabalho ou dos locais de trabalho, e entre os primeiros na realização de acções de formação ou na informação aos trabalhadores sobre os riscos psicossociais.
Consideramos importantes estes dados, e sugerem-nos para o caso português uma interpretação complementar aos resultados do inquérito: de facto pode deduzir-se que parece existir em Portugal uma muito elevada preocupação com os riscos psicossociais mas que tem como contrapartida muito pouco planeamento da sua prevenção (fraca existência de procedimentos) e que, alternativamente a esse planeamento, são desenvolvidas medidas diversas cuja eficácia se desconhece, podendo eventualmente resultar em custos de retorno pouco evidente.
É nossa convicção, face aos resultados do inquérito e ao nosso conhecimento prático da realidade da prevenção nas empresas portuguesas, que esta aparente inconsistência entre os três factores analisados assenta, principalmente, no conhecimento insuficiente da existência e criticidade dos riscos psicossociais em cada empresa.
É por isso importante, para não dizer indispensável, que estes sejam abordados sistematicamente com metodologias próprias ou devidamente adaptadas que permitam o conhecimento real dos riscos e da sua dimensão em cada estabelecimento, em cada local ou em cada posto de trabalho.
Estas metodologias, devendo ser necessariamente direccionadas e inovadoras para responderem adequadamente às condições próprias de riscos novos e emergentes, não podem deixar de partir da orientação clássica da prevenção:
• Identificar os perigos;
• Avaliar os riscos;
• Identificar e implementar medidas de controlo.
É portanto indispensável que, em cada empresa, sejam desenvolvidas e implementadas metodologias consistentes de avaliação de riscos psicossociais, e estruturadas estratégias de prevenção e controlo adequadas e direccionadas, em função dos resultados obtidos em cada caso.
Só assim será possível controlar e minimizar as consequências crescentes destes riscos que provocam efeitos negativos no dia-a-dia da vida das empresas e das pessoas, os quais se traduzem, entre outros, na redução do rendimento do trabalho e da qualidade do desempenho, bem como no aumento do absentismo, implicando custos directos e indirectos para as empresas e para a sociedade, ainda não claramente quantificados mas que se admite já que possam atingir valores de milhares de milhões de euros a nível nacional.