Saúde Mental em tempos de Crise/Guerra
No momento em que o mundo presenciou o aparecimento da pandemia por Covid-19 em março de 2020, a Psicologia como ciência que tem como objeto de estudo os processos mentais e o comportamento humano, assumiu uma visibilidade exponencial e uma ação fundamental durante este período de dois anos no âmbito da prevenção/promoção da Saúde Mental na sociedade. Já na fase atual de resolução da situação pandémica, somos agora confrontados de forma inesperada com a invasão russa da Ucrânia, despoletando-se um cenário abrupto de Guerra, com impacto destruidor direto nas vidas das comunidades afetadas diretamente pelo conflito.
Assistimos, mesmo à distância, ao evoluir do conflito através dos meios de comunicação social (notícias televisivas, redes sociais, jornais/revistas…), pelo que é inevitável empatizarmos com as vítimas e as suas famílias, bem como partilharmos um sentimento generalizado de injustiça e humanidade. Esta exposição às notícias de Guerra poderá trazer consequências negativas para a nossa Saúde Mental, designadamente o aumento da vulnerabilidade face à incerteza futura relativamente à evolução desta crise, a par de maiores dificuldades de concentração/atenção e na regulação emocional (gerir sentimentos de irritabilidade, impotência, medo, angústia, tristeza, entre outros). Assim, o conflito em curso tem igualmente um impacto direto em cada um de nós, com possíveis implicações a nível pessoal e também no âmbito laboral.
Neste sentido, considera-se como boa prática de Saúde Mental por parte das entidades empregadoras, prestar uma maior atenção aos trabalhadores durante este período, uma vez que a vivência de uma nova crise contribui para o desgaste em termos profissionais. Ressalva-se que, poderão se encontrar mais vulneráveis, os trabalhadores que tenham amigos/família na Ucrânia, Rússia ou em países fronteiriços (Polónia, Moldávia, Roménia…), bem como aqueles com problemas de saúde psicológica prévios. Como tal, recomenda-se o reforço das ações de avaliação de saúde mental em contexto organizacional para efeitos de monitorização e suporte, bem como, o encaminhamento para cuidados de saúde especializados em caso de necessidade.
As políticas de promoção da Saúde Mental no âmbito profissional poderão, assim, prevenir o aparecimento de quadros específicos associados à exposição a cenários de Crise/Guerra. Do ponto de vista clínico e com possível impacto em termos da aptidão laboral, destacam-se os seguintes:
Perturbação Aguda de Stress – Desenvolvimento de sintomas entre três dias a um mês após a vivência da situação, que envolvem normalmente uma resposta de ansiedade face à ocorrência.
Perturbação de Adaptação – Existência de sofrimento exacerbado durante um período de pelo menos três meses após a vivência da situação com impacto em termos do funcionamento pessoal, interpessoal, social e ocupacional do indivíduo.
Perturbação de Stress Pós-Traumático – Quadro psicopatológico que se desenvolve aproximadamente três meses após a vivência do episódio e que se caracteriza por lembranças recorrentes, evitamento persistente de estímulos, perturbação do sono, reações dissociativas e mal-estar psicológico geral.
Para uma melhor adaptação e priorização de cuidados ao nível da Saúde Mental, a Ordem dos Psicólogos Portuguesas lança as seguintes recomendações individuais, a ter em conta perante a vivência deste novo período de crise:
– Monitorização da saúde psicológica e bem-estar;
– Procura de ajuda especializada em caso de necessidade;
– Desenvolvimento de resiliência;
– Manutenção de rotinas;
– Reforço de relações e da rede de apoio;
– Promoção da sensação de esperança;
– Apoio e contribuição face a causas;
– Evitamento de julgamentos e estereótipos;
– Limitação da exposição aos media;
– Consulta de fontes de informação credível.
A prática de autocuidado constituiu, assim, uma ferramenta importante para a gestão de emoções de sentimentos em tempos de Crise/Guerra, sendo essencial na promoção e desenvolvimento de resiliência humana. As organizações deverão igualmente considerar na sua prática diária, a avaliação de riscos para a saúde mental deste conflito a nível individual e coletivo, como forma de contribuir para o bem-estar geral dos seus trabalhadores e da própria sociedade.
Diogo Gonçalves,
Psicólogo Clínico e da Saúde